A greve dos professores é legítima

A greve dos professores é legítima

A inflação entre outubro de 2014 e maio de 2023 é de 65,60% e o reajuste que será incorporado aos salários dos servidores públicos do Poder Executivo do Distrito Federal não chega a 10% disso. O último reajuste salarial ocorreu há nove anos. Só não houve movimento reivindicatório nos últimos dois anos em função da pandemia da covid-19. Só isso já demonstra que a greve dos professores é legítima.

A situação é diferente do que ocorre na esfera federal: houve reajuste de 15,8% escalonado entre 2015 e 2018 e, mais contrastante ainda com o Judiciário, que teve 5%, em 2013, e 16,3% em 2018. Com defasagem salarial e as contas em casa só aumentando, resta aos trabalhadores reivindicar, mas até isso se procura restringir.

O exemplo mais visível é o dos professores do DF, que entraram em greve por melhores salários e condições de trabalho e por mudanças na política de educação no DF, que depende cada vez mais de professores de contrato temporário – ruim para o trabalhador e para os estudantes.

A desvalorização e a precarização do servidor público são práticas crescentes desde a década de 1990, efeito do neoliberalismo, que prega a superioridade do setor privado e do mercado ao serviço público oferecido pelo Estado. O que é um pensamento distorcido: o serviço público desempenhado pelos agentes do Estado presta-se ao atendimento das necessidades da população e o serviço privado tem o objetivo do lucro de uma instituição privada.

Não bastassem a desvalorização e a precarização, o próprio direito de reivindicar do servidor público brasileiro também vem sendo bloqueado. Embora garantido na Constituição Federal, o direito de greve do servidor nunca foi regulamentado. E, como no caso dos professores de escolas públicas do DF, é contestado judicialmente. E os magistrados, preocupados com os direitos do cidadão, tendem a ceder aos pedidos dos governos e declaram a ilegalidade dos movimentos grevistas.

Isso se deve, em grande parte, ao fato de o Judiciário não sentir tão duramente os efeitos da desvalorização dos salários, uma vez que praticamente autodetermina seus próprios ganhos, com aval do Congresso Nacional.

No jogo do convencimento da população de que o servidor é o culpado – como se houvesse um sentimento de necessidade de fazer greve em vez de ter salário e condições de trabalho dignos – são trazidas para o âmbito do serviço público a desconfiança e a vigilância avaliativa negativa.

No campo coletivo, o serviço público é desqualificado, fragiliza-se a autonomia do servidor público, corrói-se o funcionamento das instituições democráticas, a confiança nas virtudes e papéis cívicos e desvia-se a máquina estatal da função de suprir as necessidades da população para agir numa lógica de preenchimento de planilhas.

No aspecto da vida privada, das famílias, o resultado é perda do poder aquisitivo e da qualidade de vida, o que gera efeito em cascata em Brasília, onde grande parte da população tem empregos públicos.

E, diante de tudo isso, espera-se que o servidor público se conforme e deixe de exercer o direito de reivindicar? A precarização do servidor público é tão grande que os efeitos dela têm atingido diretamente a qualidade dos serviços oferecidos à população: faltam professores no começo do ano e profissionais de saúde o ano inteiro, por exemplo.

Quando se olha por esse prisma, fazer greve, ir para as ruas e fazer barulho, passa a ser quase uma obrigação do servidor público. Enfim, nenhum governo vai funcionar bem se não tiver agentes dispostos e comprometidos com o bom atendimento das necessidades da população. E para isso ocorrer, o servidor público tem que ser ouvido, respeitado e valorizado.