Na substituição do modelo de assistência, o governo Rollemberg não levou em conta que a realidade não muda para se adequar à teoria.
Na edição desta segunda-feira (04/06), o Jornal de Brasília colocou em foco a situação da Atenção Primária à Saúde (APS), com a reportagem “Saúde da Família agoniza do DF”. A matéria destaca que os números apresentados nos relatórios gerenciais da Secretaria de Estado de Saúde (SES-DF) e do Ministério da Saúde (MS) contradizem a propaganda de governo. A quantidade de equipes da Estratégia Saúde da Família aumentou, mas a cobertura populacional e a produtividade na área caíram.
O fato é que houve uma substituição do modelo tradicional por equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF) sem planejamento adequado nem aumento de mão de obra. “Colocar o Saúde da Família como porta de entrada preferencial do Sistema Único de Saúde não seria problema. O desastre foi desmontar a rede de centros de saúde da forma precipitada e descuidada como fizeram”, aponta o presidente do Sindicato dos Médicos do Distrito Federal (SindMédico-DF), Gutemberg Fialho.
Segundo o Departamento de Atenção Básica (DAB) do Ministério da Saúde, a presença do Saúde da Família no DF saltou de 28.67%, em janeiro de 2015, para 39.39%, em abril de 2018. No entanto, nesse mesmo período, a APS (ou Atenção Básica) regrediu de 61.09% para 58.73%.
Os relatórios gerenciais (RAQ) do terceiro quadrimestre de 2016 e de 2017 mostram um dado ainda mais preocupante: de um ano para outro, a quantidade de ações e procedimentos em Atenção Básica à Saúde caiu de 9.149.777 para 9.021.798. Cento e vinte e sete mil a menos.
“Pode ser um número estatisticamente pouco relevante, mas não estamos falando de matemática, estamos lidando com pessoas em sofrimento, precisando de assistência. A teoria é que tem que se aplicar à vida real e não o contrário”, critica o vice-presidente do SindMédico, Carlos Fernando.
Segundo o relatório de gestão do último quadrimestre de 2017, 228 de 412 médicos que atuavam na APS não aderiram ao programa de “conversão”, o que indica que há um número expressivo de equipes da ESF sem médicos, como também há equipes sem agentes comunitários de Saúde. O governo fala que existem mais de 500 equipes, mas o Ministério da Saúde registrava, em abril, apenas 347.
Na melhor das hipóteses, isso indica que o governo local deixa de receber repasses pelas equipes incompletas (inconsistidas). Na pior, mostra que a realidade da cobertura é diferente do que diz o governo.
Demanda sem controle
Contava-se com um número de mudanças de especialidade de médicos pediatras, ginecologistas e clínicos que atuavam nos centros de saúde para aturar como médicos de família – que é tratada pela Secretaria de Saúde como prática generalista e não especialidade médica. No entanto, de 412 médicos, 184 optaram por não aderir ao programa de “conversão”. Entre os recém-contratados que assumem a função, há recém-formados que, se optarem por participar de programas de residência médica, dificilmente permaneceriam no serviço público, pois a carga horária é incompatível.
Quem trabalha na ponta – médicos, enfermeiros, técnicos e auxiliares em enfermagem e agentes comunitários de saúde – se queixam pela impossibilidade de realização das visitas domiciliares e de fazer o recadastramento das famílias na área de atuação das equipes, da falta de condições para atendimentos de emergências (que se tornaram rotina) e da inconsistência entre os números reais das populações nas áreas adstritas e o que o governo projeta.
A SES afirma que as projeções são feitas com base em números do Instituto Brasileiro de Geografia (IBGE), mas não explica como entra a mobilidade da população no território nesse cálculo – houve entrega de moradias populares dos programas habitacionais do governo federal e expansão das áreas de condomínios desde o último senso demográfico. “Só isso já determina uma mudança no perfil das cidades e indica a necessidade de readequação de toda a estrutura de oferta de mobiliário urbano e dos serviços públicos de saúde, educação, segurança e transporte”, destaca Dr. Gutemberg.
O Conselho de Saúde do Distrito Federal (CSDF) solicitou à SES-DF, no final de 2017, informações sobre o absenteísmo e as condições de trabalho na APS, mas não obteve respostas até hoje. “Sabemos que, pela piora das condições de trabalho, o adoecimento dos médicos na atenção primária aumentou, como ocorre em unidades de atendimento de emergência. Também temos recebido queixas de que pacientes, especialmente crianças, estão chegando às emergências em estado agravado e até indo a óbito por falta de atendimento adequado na atenção básica. Isso precisa ser verificado e resolvido”, destaca Carlos Fernando.
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