Devolução de servidores: a Saúde em autodestruição

Devolução de servidores: a Saúde em autodestruição

O SindMédico-DF acompanha, desde 2020, o impasse envolvendo a devolução de servidores da Secretaria de Saúde do DF (SES-DF) que atuam no Instituto de Gestão Estratégica (IGES-DF). O que começou como um problema pontual se transformou em um ciclo repetitivo de decisões improvisadas, decretos sem planejamento e ordens que ameaçam desmontar serviços essenciais à população.
Ao longo desses anos, testemunhamos a falta de organização, o assédio aos servidores e um claro conflito de interesses entre os dois sistemas. O modelo é perverso: o orçamento da SES-DF alimenta o IGES-DF, em uma lógica parasitária. Parece uma autofagia – a rede pública consome a si mesma.
Em março de 2021, o Tribunal de Contas do DF (TCDF) foi categórico ao analisar representações do Ministério Público de Contas e do próprio SindMédico-DF. No Acórdão nº 553/2021, o Tribunal determinou que nenhuma devolução poderia causar prejuízo à população. E estabeleceu regras claras: não podem ser devolvidos médicos de alta complexidade (como cirurgias cardíacas e neurocirurgias), nem preceptores de residência; cada devolução deve ser fundamentada, demonstrando que não haverá prejuízo; as medidas devem ser comunicadas ao TCDF em até cinco dias.
Ou seja, a Corte deixou escrito o que parecia óbvio: não se pode desmontar a assistência em saúde.
Dois anos depois, em janeiro de 2023, um decreto da governadora em exercício, Celina Leão, ordenou o retorno imediato dos servidores cedidos ao IGES. Se aplicado ao pé da letra, o decreto teria efeitos devastadores: inviabilizaria cirurgias e atendimentos no Hospital de Base (HBDF) e no Hospital Regional de Santa Maria (HRSM), encerraria programas de residência médica e deixaria desassistidas áreas como neonatologia e pediatria.
Naquele momento, o SindMédico-DF reuniu médicos, gestores e autoridades em seu auditório. Ficou evidente o que sempre denunciamos: sem médicos, não há como manter o funcionamento da alta complexidade no DF. O IGES-DF não consegue contratar e reter especialistas com experiência suficiente. A Câmara Legislativa também repercutiu o tema, criticando o decreto e alertando para o caos que poderia vir.
Agora, em 2025, voltamos ao mesmo ponto. Fala-se novamente em devolução de médicos, como se trocar servidores de hospital fosse algo simples, mecânico. Mas a realidade é outra: programas de residência correm risco de fechamento, UTIs neonatais podem ser inviabilizadas e a população mais uma vez é exposta ao risco de desassistência.
É preciso deixar claro: devolução em massa não resolve o déficit da rede. Ao contrário, pode provocar evasão de especialistas tanto da SES-DF quanto do IGES, aprofundando o problema.
E um dos pontos mais graves ainda é que esse processo todo ocorre sem clareza, sem documentos oficiais, tratado apenas “na oralidade”. Médicos e outros profissionais ficam assediados, pressionados a assinar termos, com a saúde mental colocada em risco. Ou seja, a gestão improvisada gera insegurança nos servidores e leva risco aos pacientes.

Um breve histórico

Desde 2020, o SindMédico-DF tem sido voz constante de alerta. Levamos o tema ao TCDF, reunimos gestores, apontamos alternativas e seguimos cobrando do GDF responsabilidade. Reafirmamos: a substituição de profissionais qualificados só pode ser feita por outros igualmente qualificados, com a mesma experiência e preparo. Qualquer outro caminho é irresponsável.
A saúde pública não pode ser vítima de um modelo autofágico, que drena recursos da SES-DF para sustentar o IGES-DF, sem resolver os problemas estruturais da rede. É preciso transparência, planejamento e compromisso real com o interesse público.
Enquanto isso não acontece, continuaremos vigilantes, firmes ao lado dos médicos e da população do Distrito Federal.