Não é preciso ser nenhuma especialista da área para saber que decisões erradas, em um momento de pandemia, colocam vidas em risco. Ainda assim, mesmo com o exemplo de outros Países e das repetidas recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre isolamento social, a gestão pública do Distrito Federal parece ir à contramão. Hoje, a unidade federativa ocupa o 3º lugar na lista de infectados por Covid-19 proporcionalmente e contabiliza mais mortes do que 172 países: são mais de 2 mil óbitos causados pela doença.
Uma comparação. No DF, a cada 100 pessoas, quase quatro tiveram covid-19. São mais de 141 mil casos na unidade federativa. Em São Paulo, os dados apontam que somente uma pessoa se infectou a cada 100, de acordo com dados do Ministério da Saúde. Para cada 100 mil habitantes, são 2,1 mil casos no DF. Em números gerais, a capital do país fica atrás apenas do Amapá, com 3,6 mil infecções a cada 100 mil pessoas, e Roraima, com 3,2 mil diagnósticos a cada 100 mil: estados cuja desigualdade social chama a atenção.
Nesta segunda-feira (17), o Distrito Federal registrou número recorde de mortes por dia. Foram 66 óbitos em decorrência do novo coronavírus. E, agora, enquanto o secretário de Saúde, Francisco Araújo, fala em “platô”, o que fica evidente nos números da própria Secretaria de Saúde é o aumento dos casos da doença e, infelizmente, de mortes na capital do País.
Os sete erros da gestão do DF
- Isolamento precoce, reabertura precoce
Na avaliação do infectologista, doutor em doenças infecciosas, Julival Ribeiro, o afrouxamento do distanciamento social foi um erro, já que “quanto mais aglomeração e menos distanciamento social, mais esse comportamento favorece a transmissão”.
Vale lembrar que o DF foi uma das primeiras cidades do País a adotar medidas de isolamento social, ainda em março. No entanto, em maio, o governo local decidiu decretar a reabertura gradual do comércio, justamente quando os números de infectados começaram a aumentar.
- Hospitais de campanha como suporte?
A demora em receber pacientes no Hospital de Campanha Mané Garrincha causou estranhamento. Assim como o fato de o local ter sido pensado para pacientes de menor complexidade quando, na verdade, o que mais sufoca o SUS e a rede privada é a demanda por leitos de UTI x a capacidade do sistema.
- Compra de testes rápidos em xeque
Uma investigação do MPDFT, que apurava um suposto esquema de fraude na aquisição dos exames, acabou interrompendo a compra de 1 milhão de testes rápidos para a detecção da covid-19 pelo GDF. A decisão judicial supostamente teria comprometido o monitoramento de novos casos no DF.
- Rastreamento de outros pacientes
O GDF diz que o monitoramento de pacientes ficou prejudicado pela ausência de testes. No entanto, segundo especialistas, a falta da ação foi uma das falhas da gestão desde o início da pandemia na capital do País. “Nem o DF nem a maioria de outros estados do país utilizou até agora essa estratégia, perdemos a oportunidade de usá-la no início e agora é bastante complexo implantá-la”, afirmou o epidemiologista, docente da Universidade de Brasília, Jonas Brant.
- Atenção Primária
Ainda para o especialista, o GDF também deixou a desejar no que diz respeito à Atenção Primária. Os agentes comunitários de Saúde (ACS), que poderiam desenvolver papel crucial para o controle da doença, aponta Brant, “não se reconhece o papel estratégico deles”. “Seguimos há anos sem agentes comunitários e desconheço mobilização para reforçar”.
- “Gripe”
Agora, o secretário de Saúde pede à população que faça sua parte, mantenha o uso de máscara e, ironicamente, cita o distanciamento social: indicando até que a população não entre em ônibus lotados. No entanto, no dia 29 de junho, foi o próprio governador do DF, Ibaneis Rocha, quem disse que a Covid-19 seria tratada como uma gripe. “Como isso deveria ter sido tratado desde o início”, afirmou o gestor do Buriti.
- O que dizem os dados x o que diz a SES-DF
No dia 6 de julho, uma reportagem de um veículo da imprensa anunciava: “Taxa diária da covid-19 cai nas últimas semanas, diz estudo da Codeplan”. A disseminação da informação, que estava errada, no mínimo abria precedentes para dúvidas. À época, o DF estava rumando para o atual cenário, em acelerado e preocupante processo de contaminação e de ocupação de leitos hospitalares.
Agora, sobre o que o SES-DF chama de platô, o comportamento nas redes sociais do órgão é lidar com o grave problema afirmando que, diariamente, faz uma síntese com a data de todos óbitos registrados nos boletins. “Precisamos ficar atentos as veiculações para evitar sensacionalismo diante da #pandemia e conscientizar nossa população os cuidados necessários ao #coronavírus”, afirma.
Para o presidente do SindMédico-DF, Gutemberg Fialho, a sucessão de erros revela, que a SES-DF precisa melhorar sua visão de gestão frente à pandemia e a quantidade de óbitos e, sobretudo, compreender que “a epidemia não tem limite, mas a capacidade diagnóstica e de tratamento, sim”.