Janeiro Branco do GDF: um show de marketing sem ação*

Janeiro branco: o caos na RAPS do DF

No mês do Janeiro Branco, que deveria simbolizar a conscientização sobre saúde mental, o Governo do Distrito Federal (GDF) demonstra que suas campanhas são apenas uma fachada publicitária. O caos na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) é uma evidência inquestionável de negligência. Enquanto o governo divulga iniciativas superficiais, a população sofre com um sistema desestruturado e incapaz de atender às demandas crescentes de saúde mental.

O trágico episódio envolvendo o delegado Mikhail Rocha é um retrato fiel da precariedade do sistema. Após apresentar problemas psiquiátricos, o delegado foi afastado do cargo, mas não recebeu suporte adequado. Sua crise culminou em um ataque que vitimou três mulheres. A reação do governo foi a mesma de sempre: discursos vazios e “ações” sem impacto prático.

Em evento recente, um dos representantes do GDF apontou a necessidade de “buscar ajuda”. Mas qual ajuda? O Distrito Federal conta com apenas 98 psiquiatras na rede pública, para atender uma população de mais de 3 milhões de habitantes. Isso equivale a um psiquiatra para cada 30 mil pessoas, número totalmente incompatível com a demanda crescente. Aqui, um detalhe importante, sobre o qual venho falando sempre: não faltam médicos no DF, falta vontade política! Há, registrados no CRM-DF, 502 psiquiatras ativos: novamente, são apenas 98 na rede SUS.

A ansiedade e a depressão lideram as causas de afastamentos do trabalho no Distrito Federal. Em 2023, houve uma média de três afastamentos diários devido a transtornos mentais. O total de trabalhadores afastados saltou de 859 em 2022 para 1.244 em 2023, um aumento preocupante que reflete a crise no suporte à saúde mental.

Apesar desses dados alarmantes, o GDF insiste em divulgar soluções improvisadas, como a nomeação de 20 psiquiatras e a promessa de construção de cinco Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) até 2026. A realidade é que, mesmo com essas promessas, a rede continua muito aquém do mínimo necessário. Apenas 3 psiquiatras atendem no CAPS mais bem equipados do DF: um reflexo direto do desinteresse do governo em estruturar a saúde mental como prioridade.

Os indicadores da Rede de Atenção Psicossocial do DF estão entre os piores do Brasil. Há um número insuficiente de CAPS e uma cobertura populacional precária. Até recentemente, sequer existiam Residências Terapêuticas (RTs). Atualmente, o DF conta com apenas duas RTs, um número irrisório para as demandas regionais. Somado a isso, há apenas uma Unidade de Acolhimento (UA) em todo o território, enquanto a atenção básica, que deveria ser a porta de entrada, também é falha e insuficiente: uma das piores do Brasil em cobertura.

De 2020 a 2024, o número de atendimentos anuais na rede de atenção psicossocial do DF caiu 32,2%. Saindo de 36.974 para 20.991. Esse dado alarmante demonstra que, ao invés de melhorar, a situação tem piorado ano após ano.

Em um dos casos mais trágicos, uma paciente psiquiátrica morreu no Hospital São Vicente de Paula após sofrer uma crise grave. Ela passou horas imobilizada e teve convulsões antes de falecer, em plena noite de Natal. Casos como esse evidenciam o descaso e a ausência de condições básicas para atendimento na rede pública.

Enquanto o GDF promove o Janeiro Branco, alardeando a criação de uma Subsecretaria de Saúde Mental, a realidade nos CAPS, hospitais e Unidades de Acolhimento é desesperadora. A campanha não passa de uma cortina de fumaça para esconder um sistema falido e a ausência de planejamento efetivo.

Não há como falar em avanços enquanto faltam profissionais para atender a população, os poucos recursos são mal distribuídos e os próprios servidores da saúde não recebem apoio adequado para enfrentar os desafios diários. Hoje, essa é a verdade sobre a Rede de Atenção Psicossocial do DF. Por isso, o Governo do Distrito Federal precisa deixar de lado o marketing vazio e tratar a saúde mental como uma prioridade verdadeira. Trocando em miúdos: precisa ampliar a rede de atendimento, realizar concursos públicos, garantir condições dignas de trabalho, (porque quem trata também está adoecendo), oferecer salários competitivos e investir em prevenção e acolhimento.

Sem essas medidas, o Janeiro Branco continua sendo apenas mais uma campanha vazia, incapaz de transformar a realidade da saúde mental no DF. O caos é crônico. E não será com factóides eleitoreiros que os problemas serão resolvidos.

*Artigo escrito por Dr. Gutemberg Fialho