Pediatras no SUS-DF: a falácia da terceirização

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Em mais uma demonstração de desrespeito à população e aos servidores públicos, o Governo do Distrito Federal (GDF) anunciou a contratação de empresas privadas para suprir o déficit de pediatras na rede pública de saúde. A medida, altamente questionável, revela a intenção do GDF de desmantelar os serviços públicos. Ou seja, em vez de fortalecer o sistema público de saúde, prefere, novamente, a terceirização.
Em julho do ano passado, a secretária de Saúde, Lucilene Florêncio, revelou que o déficit de pediatras na rede pública era de 170 profissionais. Naquele momento, havia 441 pediatras ativos no quadro da Secretaria de Saúde do DF (SES-DF). Hoje, o cenário é ainda mais alarmante: apenas 425 pediatras permanecem na rede, o que eleva o déficit para 186 profissionais. E a solução proposta pelo GDF? Contratar serviços privados para cobrir parte desse déficit, aumentando o número de pediatras em apenas 117.
Porém, o custo dessa contratação é exorbitante: com previsão de gasto de mais de R$ 17 milhões para a empresa contratada por 14.048 horas de trabalho em apenas seis meses. Essa discrepância não é apenas financeiramente insustentável. Ela é também um desrespeito aos profissionais que dedicam suas vidas e carreiras ao serviço público. E o governo faz isso sob falsos pretextos: ele alega que há falta de pediatras no mercado. No entanto, o Conselho Regional de Medicina do DF registra 1.798 pediatras ativos. Como digo sempre, não faltam médicos. Falta vontade política.
Outro argumento usado, inclusive pela própria Secretária de Saúde, é de que os pediatras (e outros médicos) não se interessam pelo serviço público. Isso não é verdade. Há, sim, interesse pelo serviço público. O que falta é o GDF fazer a sua parte e oferecer condições de trabalho. Você, cidadão, quer concorrer a uma vaga que oferece salários inadequados, estrutura precária e carga de trabalho excessiva (com risco de passar por situações de violência durante o plantão)? Aqui, temos de concordar que pagar salários maiores a terceirizados é um deboche com o servidor. Um sinal claro de que existem, sim, recursos! O problema está em como e onde a gestão quer aplicar.
A terceirização de serviços públicos na saúde já mostrou ser ineficaz em várias situações pelo Brasil. No Rio de Janeiro, hospitais geridos por Organizações Sociais (OSs) enfrentaram atrasos de salários, falta de materiais e queda na qualidade do atendimento. Em Goiás, o modelo de terceirização levou ao fechamento de leitos públicos por falta de recursos e má gestão. No DF, o modelo também apresentou falhas. Temos como exemplo maior a anestesiologia: empresas contratadas no ano passado (por mais de R$ 13 milhões) não estão cumprindo o contrato e há milhares de cirurgias sendo canceladas. Isso é um reflexo direto de como a terceirização prioriza ganhos imediatos em vez de soluções estruturais.
A terceirização é uma prática nociva sob diversos aspectos. Quando adotada pela administração pública, não apenas retira o direito a vínculos empregatícios formais, como também impede o acesso a carreiras públicas, ameaçando a própria estrutura do Estado. E quem mais sofre com isso somos nós, que pagamos nossos impostos em dia. Sob o ponto de vista jurídico, isso é um problema ainda maior porque dá à mesma empresa – ou grupo – o poder de contratar e de julgar suas próprias ações. Isso prejudica os princípios do Estado Social, que são valores fundamentais de qualquer governo que busque garantir direitos básicos para todos, como saúde e educação.
A terceirização evidencia ainda outro problema: médicos contratados temporariamente têm menos motivação para se comprometerem com a comunidade e com a melhoria do sistema. Sem o peso do vínculo e com um modelo de trabalho que prioriza o lucro, a qualidade da assistência fica em último plano.
Para resolver o déficit de pediatras, o GDF deveria investir em condições de trabalho dignas, recomposição salarial e estrutura adequada para atrair profissionais ao serviço público. Políticas de longo prazo que valorizem a carreira pública são a única forma de garantir a continuidade e a qualidade do atendimento à população. O problema não são os servidores. Eles são parte da solução.
A terceirização é uma solução ilusória, que só agrava os problemas da saúde pública. Em vez de seguir por esse caminho, o GDF deveria focar na valorização do SUS e dos profissionais que dedicam suas vidas ao atendimento da população. E não são poucos. Porque o Sistema Único de Saúde é uma conquista de todos os brasileiros. E não há quem diga o contrário. Insistir em um modelo que terceiriza (por motivos bem questionáveis) é enxugar gelo. E a gestão pública sabe disso.