Quando a Organização Mundial da Saúde nos revela que até 20% da população mundial é neurodivergente, não estamos falando de estatísticas abstratas. Estamos nos referindo a pessoas reais, muitas delas ainda crianças – na educação infantil da rede pública de ensino do Distrito Federal, seriam aproximadamente 21 mil pequenos brasilienses, com até cinco anos, cujos cérebros processam o mundo de maneira singular. Crianças com autismo, TDAH, altas habilidades ou outras condições que representam não limitações, mas formas diferentes de ser, aprender e de se relacionar com o próximo. É preciso um pacto urgente pela saúde e educação delas.
No entanto, o que oferecemos a essas crianças? Um sistema de saúde onde a espera por uma primeira consulta no Centro de Orientação Médico Psicopedagógico, o COMPP, chega a dois anos. Para uma criança de cinco anos, dois anos representam 40% de sua vida – uma eternidade em termos de desenvolvimento. Enquanto isso, mais de 8 mil crianças aguardam na fila, seus potenciais sendo sufocados pela lentidão do Estado. E esses são apenas aqueles para os quais já existe indicação de necessidade de diagnóstico. Não temos ideia de qual seja o número real dos que venham a precisar de atenção especial.
Na educação, o cenário é igualmente preocupante. Professores, aos quais saúdo pelo seu dia, heroicamente tentam acolher e incluir a diversidade em suas salas de aula, mas o fazem com recursos insuficientes e, em 40% dos casos, através de contratos temporários que impossibilitam a continuidade do trabalho. Como construir vínculos e estratégias pedagógicas consistentes em meio a tanta instabilidade?
Os conflitos que frequentemente chegam às manchetes – entre famílias e escolas, chegando aos conselhos tutelares, às delegacias e tribunais – não são falhas morais individuais. Não são culpa dos pais nem dos professores, muito menos das crianças. São o sintoma gritante de um sistema que abandonou suas crianças mais vulneráveis. A neurodivergência não deveria se tornar caso de polícia, mas sim foco de política pública bem executada.
Precisamos de um pacto urgente pela proteção dessas crianças. Um compromisso que una governo, sociedade civil, educadores e profissionais de saúde em torno de objetivos claros:
Primeiro, diagnóstico oportuno – nenhuma criança deveria esperar mais de 30 dias por avaliação especializada. Segundo, acolhimento e inclusão educacional efetivo – com professores valorizados, capacitados e com vínculos empregatícios estáveis, apoio de educadores sociais e de serviço psicopedagógico. Terceiro, apoio familiar contínuo – para que pais e responsáveis não se sintam desamparados na jornada de criar filhos neurodivergentes.
O recente corte bilionário proposto pelo GDF nos orçamentos da saúde e da educação em 2026 vai na direção oposta a esse pacto. Economizar na infância é como deixar de oferecer hidratação antes início de uma viagem pelo deserto – um erro pelo qual se paga caro mais adiante. Crianças bem cuidadas se tornam cidadãos plenos; crianças negligenciadas representam custos sociais futuros incalculáveis.
Investir na atenção à neurodiversidade infantil não é gasto – é semear o futuro mais rico e criativo que o DF poderia ter. São essas crianças que, devidamente apoiadas, poderão nos presentear com soluções inovadoras, olhares diferentes sobre velhos problemas e contribuições únicas para nossa sociedade.
O momento de agir é agora. Enquanto discutimos orçamentos e políticas, milhares de crianças esperam por uma chance de florescer. Elas não podem esperar mais dois anos, elas não podem ficar fora ou serem discriminadas no sistema educacional.
Que o DF seja pioneiro não apenas em arquitetura e engenharia de estradas, mas em acolhimento à diversidade humana. Nossas crianças merecem esse legado.

